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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Oscar 2012: Meia-Noite em Paris

Numa manhã qualquer, enquanto andava pela Av. Paulista, fui parado por uma repórter da Record que me fez uma pergunta estranha: qual a diferença entre usar óculos e lentes de contato? A minha resposta foi mais estranha que a pergunta, razão pela qual não apareci na Tv, eu disse a ela que a diferença residia na imersão dentro da realidade posta aos seus olhos, pois se com os óculos há um enquadramento da realidade tal qual uma cena de um filme, citando Wim Wenders no documentário "A Janela da Alma", ao passo que as lentes de contato possibilitam uma imersão interativa na realidade vista. Se essa frase de Wenders já tinha me marcado a ponto de recomendar aos telespectadores do programa da Record que assistissem ao filme, ver "Meia-noite em Paris" me levou a uma reflexão profunda sobre a questão, de forma que Woody Allen mergulha de forma tão profunda em seus filmes, muitas vezes também como narrador presente e protagonista, que se contrapõe à lógica proposta por Wenders. Esse é o ponto que me marcou no filme de Allen, pois o personagem de Owen Wilson não é apenas um apaixonado por Paris, ele utiliza a cidade e as viagens aos anos 20 como a sua forma de imersão no seu livro. Essa é uma questão que os professores não ensinam no colégio, como se escrever fosse um processo que se desenvolvesse apenas pela relação entre criatividade, conhecimento e capacidade argumentativa.
Escrever é muito mais complexo do que isso, é realmente o ato de imersão na realidade criada, o afastamento do real, que possibilita ao escritor o retrato fiel das experiências, aromas, gostos, sensações. Quando comecei a escrever, para preencher as linhas do papel em branco eu ouvia "Indiference" do Pearl Jam, depois percebi que funcionava com o CD inteiro, mas o afastamento da realidade, ainda que por um momento muito breve constrói o processo criativo. Daí a importância da escolha de Paris como cenário no filme de Allen, pois ele reverte a lógica da fórmula física que equaciona a velocidade à relação entre tempo e espaço. Paris é por essência uma cidade atemporal, sua estrutura arquitetônica permite que nela se passe uma história que retrata a Belle Epoque, os anos 20 ou o século XXI, sem que se altere o espaço. Assim, a velocidade posta nos passos de Owen Wilson equivale ao tempo, que se coloca para traz com a mesma facilidade com que o escritor busca se inserir nos anos 20, e apenas dessa forma retratar com honestidade os sentimentos, as angústias, o gosto da chuva caindo, o perfume da cidade. O filme não é uma homenagem a Paris, mas uma homenagem ao ato de escrever, e Allen, com maestria, é capaz de relacionar a experiência artística com um mergulho no mundo dos sonhos, como de fato o fez num grande filme, com boas chances de arrematar uma estatueta pelo Roteiro Original.
Deixo algumas palavras de Hemingway, retratadas no filme:
“Por vezes, quando começava uma nova história e não sabia como progredir… levantava-me, olhava para os telhados de Paris e pensava: ‘Não te preocupes. Sempre escreveste e também hás-de escrever agora. Tudo o que tens a fazer é escrever uma frase realmente verdadeira. Escreve a frase mais verdadeira que conheces.’ Acabava, assim, por escrever uma frase verdadeira e, a seguir, partia daí. Nessa altura, era fácil, pois havia sempre uma frase verdadeira que eu conhecia, ou tinha visto ou ouvira alguém dizer.”— E. Hemingway, Paris é uma Festa.
 Comentários de FREDERICO POLES BORGONOVI

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