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domingo, 31 de março de 2013

Cabra Marcado para Morrer


Cabra Marcado para Morrer (BRA, 1985), de Eduardo Coutinho, é tão venerado pelos esquerdistas que antes de ver tive o preconceito de achar que era alguma propaganda do regime político de Fidel Castro e sua revolução, e que deve ter tido o seu contexto histórico para ser tão valorizado mas que agora não faz mais sentido.

Ocorre que Cabra é muito mais que um filme, é um documento emocional, tão visceralmente verdadeiro em sua humanidade, que transcende ideologias e fronteiras. Porque a humanidade é universal, a ânsia por um mundo melhor e mais justo está na coração de todos os povos.

Logo no início o cineasta contextualiza o cenário político no ano de 1964 entre os camponeses paraibanos, pois a pretensão inicial era contar a história de vida e a luta do líder camponês Pedro Teixeira, assassinado por latifundiários em 1962. O filme seria rodado ali mesmo, em Sapé/PB, onde as pessoas seriam os personagens delas mesmas, feito filme iraniano da década de 1990, mas um conflito armado transferiu a locação para Galileia/PE. Na nova locação, os atores seriam os habitantes que não viveram a história real, com exceção da viúva, dona Elizabeth Teixeira e alguns de seus filhos. Em 31/03/1964 veio o golpe militar e todos os envolvidos com a filmagem foram perseguidos como criminosos.

Os militares pareciam acreditar que tratavam-se de cubanos preparando os camponeses para uma revolução armada, então deveria haver umas 20 mil metralhadoras escondidas ali. Fico pensando como os soldados se sentiram ao ver que não era nada disso. Vemos tantas projeções a cerca dos momentos dramáticos vividos pelo golpe militar da década de 60, mas sempre sob o ponto de vista das vítimas civis. O que os militares pensavam? Havia dissidentes entre eles? De qualquer forma, a inteligência militar da época achou por bem justificar na imprensa que eles invadiram Galileia porque cubanos terroristas preparavam uma guerra.

Em 1981 Eduardo Coutinho resolve reencontrar aquelas pessoas. Vários já tinham morrido. Dona Elizabeth Teixeira refugiara-se numa cidadezinha a centenas de quilômetros de distância, com outro nome, e só um dos filhos sabia onde ela estava. O filme inacabado encontrará o seu final.

É no encontro com os antigos participantes do filme e, em especial com Dona Elizabeth, que o filme ganha o seu contorno mais humano e comovente. Vidas sufocadas, sentimentos de revolta e sequelas emocionais misturam-se com esperança, agradecimento e fé.

Esta obra merece ser objeto de estudo de historiadores, cientistas sociais e do comportamento, ao mesmo tempo em que é uma reflexão para conhecermos mais intimamente a história recente do Brasil bem como nos levar a um entendimento sobre como revoluções de caráter coletivo podem interferir no emocional de um indivíduo.

Cabra Marcado para Morrer é um filme obrigatório.

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